O tilintar do relógio ecoa por toda a casa. Percebo seu eco entre os cômodos escuros. A luz entra pela janela enquanto minhas pupilas, antes dilatadas, contraem-se vagarosamente perante a luz. Sinto uma pequena brisa vindo da janela acompanhada com o som da noite. Cachorros latem! Carros percorrem as ruas! Gatos passeiam pelos telhados, calçadas e folhagens de algumas árvores. No fim formava-se o “meu mundo noturno”, onde eu era o único protagonista e sobrevivente.
Sim! Gosto do silêncio da noite, mas nunca sinto medo.
Quando crescemos aprendemos no cotidiano através da sociedade que nos envolve e tenta nos moldar à sua maneira que tudo o que se encontra no escuro é sombrio e assustador. Nos fazem imaginar coisas.
Vemos uma casa velha e abandonada, acreditando que eu seu interior, cheio de histórias de vidas passadas, possam nos amedrontar. Curiosamente, desafiando o perigo em nossas mentes, avançamos e tentamos compreender os mistérios da escuridão.
Cada escada, cada espaço vazio, cada parede e qualquer luz nos chama a atenção para o mais íntimo pensamento encontrado dentro de nós mesmos, através de nosso subconsciente. Enquanto isso, madeiras rangem. Sapatos ecoam e os grilos cantam. A melodia da noite está em sua natureza e nós nunca prestamos atenção nela, mas sim no nosso íntimo através do nosso ego. Somos egoístas e medrosos.
De repente sentimos o cheiro do mofo nas paredes e o reflexo de teias de aranha no teto. A mão transpira. O coração dispara. Mesmo assim, nada é capaz de matar nossa curiosidade a não ser que encontremos o que não existe nesse mundo, mas sim o que está em nossa própria mente.
Cadáveres, morcegos, ossos, almas de outro mundo... Por quê somos tão masoquistas e insistimos sempre em culpar a beleza da noite com nossos próprios delírios e neuroses? Será que Deus criou a escuridão para beneficiar o Demônio ou para fortalecer os homens a continuar sua luta contra o mal de todos os dias, criado por nós mesmos, e que nunca queremos reconhecer ser nossa culpa tudo o que sofremos?
É tão fácil culpar Deus.
É tão fácil ver o Demônio aonde ele não existe que às vezes fica difícil e até impossível reconhecermos que “ele”, muitas vezes, somos nós mesmos, maltratando nossos semelhantes, julgando, apontando, gritando, empurrando, rejeitando, ofendendo e encontrando defeitos que não existem, mas que apenas nos diferem devido às nossas próprias criações e neuroses.
A cabeça ecoa palavras, imagens, luzes, sombras, gestos e sinais incompreensíveis à nossa vida humana e pequena. O suor gélido desce pela face. Nossos olhos se fecham perante o medo. Medo de morrer, talvez ou, simplesmente, medo de enfrentar a vida e reconhecermos que o único mal que se encontra na escuridão está dentro de nós mesmos.
Um gatinho mia. Acho uma vida e acalmo meu coração. Agora percebo como a escuridão é bela. Como somos tolos em culpar Deus por tudo.
O Demônio pode ser esperto, mas nunca irá abafar a superioridade do criador de tudo e de todos nós. Nunca conseguirá abalar sua bondade e capacidade de perdão, pois aquele que tudo pode consegue nos dar a luz e a paz. Paz até no mais íntimo e obscuro momento de nossa vida, pois sabemos que daqui nada levaremos de terreno a não ser as “boas obras”.
Acaricio o felino com ternura e levo-o para casa com todo meu amor, escrevendo mais uma linha de minha história no “Livro da Vida”.
Levanto-me e vou embora para, talvez, nunca mais voltar, mas com a certeza de que a beleza da noite nunca será abalada por pensamentos mórbidos e pequenos, e sim pela certeza de que a vida existe e pode ser bela... até mesmo na escuridão.
O relógio tilinta, ecoando pela casa.
Finalmente encontrei a paz.
Fernando Magaldi
Data original do texto: 15 de maio de 2005
Data de hoje: 07 de outubro de 2007
Data original do texto: 15 de maio de 2005
Data de hoje: 07 de outubro de 2007
2 comentários:
hum ...muut legaL
=)
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